Aconchego e sabor: os 30 anos do Carlota, restaurante que virou o segundo lar de muitos paulistanos
A casinha de Higienópolis completa sua terceira década de muitos sabores e histórias para contar.
A veia do romance no jantar e a atmosfera de lugar confortável e “easy-going” dos almoços são apenas alguns pontos que definem a casinha branca tombada que fica na parcela da Rua Sergipe que nasce na Rua Bahia e deságua na Rua Ceará. Local de nascimento do suflê de goiabada, a melhor sobremesa de São Paulo, segundo a trilha de Honra ao Mérito do Prêmio Paladar 2025, o Carlota não é apenas o segundo lar de Carla Pernambuco, sua chef e proprietária, mas também de gerações de frequentadores.
Um sonho que se concretizou
Quando Carla viu os arranjos de maçãs feitos pelo florista Vic Meirelles em cima do balcão recém-instalado, sentiu seu sonho se concretizando diante dos seus olhos. Ali nascia um sucesso, que ainda tinha o “take out” como enfoque, com apenas quatro mesinhas e uma clientela cativa que ansiava por mais. Com a crescente demanda do público por uma comida autoral em meio ao aconchego de um estabelecimento com jeitinho de lar, Carla decidiu transformar seu negócio, de fato, em um restaurante e, em nove anos, suas mesinhas se multiplicaram por cinco, as mesmas vinte mesas que estão lá até hoje.
Apesar dos convites para expandir e abrir filiais em shoppings, Carla sempre optou por permanecer no mesmo local para servir bem em um restaurante de bairro, tocado pelos donos e respeitando sua origem. É o bistrô brasileiro ao pé da letra.
Colocando o conforto na comida
Muito se fala sobre comfort food, a boa e velha comida de conforto que aquece o coração e acalenta o estômago. Pode ser aquele prato que lembra a comida de sua avó, aquele que exala um cheiro que se assemelha ao do bolo que te recebia em casa depois da escola ou mesmo um sabor novo que se tornou o seu porto seguro depois de um dia ruim. No Carlota, a confort food é chamada só de comida mesmo, a clássica “comida que as pessoas querem comer”, segundo Carla.
Nos preparos clássicos, a garfada busca abraçar o comensal. Há quem vá toda semana para comer a mesma coisa e há aqueles clientes mais aventureiros que gostam de provar de tudo. Com raízes na culinária contemporânea, os pratos celebram um mix de culturas, servindo desde filé Wellington até suflê de goiabada com calda de catupiry. Não à toa, os itens mais vendidos são o Wellington, peixe com purê de banana com molho de coco e capim santo, bobó de camarão, ravioli e, atualmente, o carbonara. “Temos sempre uns cinco pratos que ‘brigam’ para se tornarem o mais vendido da vez”, brinca a chef.
A casa também ajuda. “Eu acho que a gente tem que levar em consideração que são raros os restaurantes construídos em um imóvel que tem características de uma casa brasileira dos anos 40, 50. É raro achar um cenário como o do Carlota, um lugar com luz baixa, meio romantiquinho. A localização também influencia, fomos acolhidos pela comunidade de Higienópolis e eu sou muito grata.”
Os causos e casos
Para além da comida, um estabelecimento sobrevive de pessoas. No Carlota, não haveria de ser diferente. “Hoje eu tenho clientes que começaram a frequentar a casa na barriga da mãe, ou quando crianças. A gente também já casou muita gente, já estourou bolsa de mulher grávida do lado de fora. Tem muita história, né?”
“A gente teve desde casais de namorados que brigaram e jogaram um copo de vinho um no outro, porque a moça estava com ciúmes da garçonete. Aconteceram muitos episódios em que casais escolheram o Carlota para apresentar o parceiro aos pais. Além dos vários casamentos, presenciamos pedidos e celebramos bodas.”
Em meio às muitas lembranças, Carla relembra um episódio com bastante humor. “Tinha um doido que chegava, sentava à mesa e ficava recebendo amigos no restaurante, parecia um cartomante, sabe? Recebia um cliente e depois vinha outro e outro e um grupo. Um dia, dissemos que precisávamos da mesa para receber clientes e ele, já meio bêbado, subiu no balcão e começou a berrar que estava sendo injustiçado. Ele começou a fazer um discurso e acabou sendo vaiado por todo mundo que estava ali no dia. Depois disso, foi embora do restaurante e nunca mais voltou.”
Outro causo foi o de um senhor galanteador que a cada semana “trocava de namorada”. “O malandro sempre levava a companheira da vez para o restaurante. Aí ele chegava e havia alguns garçons que já eram seus conhecidos e ele falava ’pelo amor de Deus, faz de conta que é a primeira vez que eu tô vindo aqui, você não dá bandeira, por favor’”, conta a chef.
Os desafios da ‘estação Carlota’
Nessas três décadas, foram muitos desafios. “Conciliar criação e administração do negócio, fazer malabarismo de tocar a operação e criar boas receitas” ficam entre os principais deles. “Nos últimos dez anos, quando começou a demolição das casinhas pela região, tivemos medo de ter que fechar, mas conseguiram o tombamento do nosso imóvel e, assim, permanecemos de pé.”
Agora, a obra da linha laranja do metrô, que fechou a rua e a transformou no “beco da Mulher Maravilha” – referência ao muito conhecido Beco do Batman em Pinheiros. Apesar de tudo, “a estação Carlota” segue se preparando dia após dia para se atualizar e corresponder às novas realidades.
O futuro e o agora
Para as próximas décadas, o objetivo é tornar a casa cada vez mais artesanal, com chutneys, geleias, biscoitinhos e molhos para levar e estender a experiências para os lares das pessoas. “Um balcão de gostosuras”, é isso que Carla quer. Há chances também da volta do delivery, mas apenas com PFs (pratos feitos). A chef não promete, tem muitas dúvidas sobre fazer ou não, mas diz que é uma possibilidade.
Independentemente dos passos futuros, o que não muda é que, em trinta anos, quando a chef entra no Carlota, vê rostos conhecidos e novos frequentadores, famílias inteiras que ela, de algum modo, ajudou a criar, vê crianças já adultas trazendo suas próprias famílias recém-construídas, amantes antigos e novos amores, velhos amigos e novas conexões. Acima de tudo, Carla sente orgulho do que construiu e de continuar agradando as pessoas, seguir recebendo aqueles que querem saber mais sobre seus sabores e conhecer a própria “Senhora Carlota”, querem compartilhar momentos, histórias, receitas e, por que não, a vida?
Serviço
Endereço: Rua Sergipe, 753 – Higienópolis
